A APOSTA DAS ELEIÇÕES
2014
Paulo Afonso Linhares
Agora, a
Copa 2014 é passado. Para nós, brasileiros, remanesce o vexame da surra que
tomamos dos alemães e que nos corroerá pelos próximos sessenta anos. Vamos em
frente. Afinal, começa outro jogo muito apreciado por estas bandas: as eleições.
A democracia brasileira, no seu gradativo processo de consolidação, viverá mais
um teste, fará mais uma aposta na soberania popular, com as eleições 2014. Com
efeito, as convenções partidárias foram realizadas e formulados os pedidos de
registro à Justiça Eleitoral, de seus respectivos candidatos, por partidos e
coligações partidárias, com vistas ao pleito de outubro próximo. Neste momento, já é possível
um vislumbre do que será esse processo eleitoral para renovação dos mandatos da
presidência e vice-presidência da República, dos governadores e respectivos
vices, 1/3 das cadeiras do Senado Federal, deputados federais e estaduais.
Em suma,
haverá eleições (quase) gerais que envolverão um corpo eleitoral composto por 141.824.607
eleitores. Aliás, uma reforma eleitoral futura deve inelutavelmente incluir a
coincidência de todas as eleições, de presidente da República a vereador.
Somente para a presidência da República já requereram registros cerca de oito
candidatos, embora a disputa esteja circunscrita às de Dilma Rousseff (PT), Aécio
Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB). Os outros, como se diz na gíria da política
nordestina, irão apenas "bater esteira".
Interessante
é que, principalmente no tocante às candidaturas presidenciais do PT e do PSDB,
repete-se uma disputa de projetos que vêm marcando as duas últimas décadas da
História brasileira, aliás, caracterizada estranhamente pela composição de
blocos políticos (coligações partidárias, na linguagem técnico-jurídica) sem
maiores marcações ideológicas, bem típico do chamado "presidencialismo de
coalizão" cuja definição precisa é feita pelo cientista político Fernando
Filgueiras: "É velha conhecida a fórmula do presidencialismo de coalizão brasileiro. O
presidente eleito compõe a sua base de apoio no Congresso leiloando aos
partidos políticos
pastas ministeriais e posições de poder dentro da burocracia pública. Por meio
do fisiologismo e do clientelismo, os presidentes obtêm
maioria no Congresso e asseguram, assim, as bases para o exercício do governo.
Ou seja, assegura-se que os presidentes brasileiros poderão levar seus projetos
de políticas públicas à frente,
não encontrando no Congresso um empecilho para o exercício do governo" (in Governabilidade e
desenvolvimento. Disp.: www.qualidadedademocracia.com.br,
acesso em 03 jul 2014). Outro pesquisador do tema, Sérgio Abranches,
foi que primeiro fez
uso desse termo, comportando uma inequívoca reivindicação à especificidade:
"O
Brasil é o único país que, além de combinar a
proporcionalidade, o multipartidarismo e o 'presidencialismo imperial',
organiza o Executivo com base em grandes coalizões. A esse traço peculiar da
institucionalidade concreta brasileira chamarei, à falta
de melhor nome, 'presidencialismo de coalizão" (cfr. "O
presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro". In:
Dados 31(1), 1988, pp. 5-33).
Antes da
Constituição de 1988, todas as forças políticas situadas do centro para a
esquerda - entre as quais o PSDB e o PT - se definiam como parlamentaristas,
porém, no exercício do poder se tornaram ardorosos defensores do
"presidencialismo imperial", com inegável marca de atraso político e
de reforço aos velhos vícios do caudilhismo, do coronelismo, do paternalismo
patrimonialista e, sobretudo, do clientelismo político. A fórmula do
presidencialismo de coalizão foi adotada por Fernando Henrique Cardoso ainda no
seu primeiro governo presidencial, para justificar as alianças políticas com
aqueles setores de marcação bem mais conservadora que os seus tucanos. O
ex-presidente Lula e a atual presidenta Dilma Rousseff acolheram com
entusiasmo, também, o presidencialismo de coalizão, postura estandardizada pela
foto publicada na imprensa nacional do abraço do líder maior do petismo com o
indefectível político conservador Paulo Maluf.
O melancólico
é que a salada política se torna ainda mais densa no plano regional, quando as
tênues marcações políticas e ideológicas, ainda perceptíveis no plano nacional,
desaparecem por completo: o importante é a formação das "sopas de
letrinhas", as coligações partidárias que garantam aos candidatos uma
participação maior na propaganda gratuita do rádio e TV. Claro, muitos desses partidos
somente existem para "alugar" espaços para candidaturas e tempo de
propaganda eleitoral; são meros simulacros esses partidos cartoriais e
desprovidos de representatividade social. São os chamados
"nanopartidos" que infestam o cenário da política brasileira e que
contribuem para a manutenção de uma estrutura partidária extremamente frágil e
viciada.
Neste
momento da vida institucional brasileira, o importante é que as eleições de
2014 sejam mais uma possibilidade de consolidação dos sistemas partidário e
eleitoral, embora não menos evidente a necessidade de reformas pontuais que
lhes permitam maior eficiência administrativa e elevem o nível de legitimidade
das instituições e das investiduras em cargos eletivos. A realização de
sucessivos processos eleitorais - e poderiam ser menos, houvesse a coincidência
de todas as eleições num só pleito geral - resulta na benfazeja sedimentação de
práticas políticas que enriquecem as instituições do Estado Democrático de
Direito e realçam o papel do cidadão como legítimo partícipe da gestão e do
controle da máquina estatal. O aprendizado do exercício e apefeiçoamento da
democracia se dá com a participação do cidadão nos processos eleitorais ou,
numa linguagem mais tosca e direta: o povo somente aprende a votar votando. O
mais é conversa fiada. Com a palavra, os candidatos. Vamos para o jogo!
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