sábado, 19 de julho de 2014

Artigo

A APOSTA DAS ELEIÇÕES 2014


Paulo Afonso Linhares


Agora, a Copa 2014 é passado. Para nós, brasileiros, remanesce o vexame da surra que tomamos dos alemães e que nos corroerá pelos próximos sessenta anos. Vamos em frente. Afinal, começa outro jogo muito apreciado por estas bandas: as eleições. A democracia brasileira, no seu gradativo processo de consolidação, viverá mais um teste, fará mais uma aposta na soberania popular, com as eleições 2014. Com efeito, as convenções partidárias foram realizadas e formulados os pedidos de registro à Justiça Eleitoral, de seus respectivos candidatos, por partidos e coligações partidárias, com vistas ao pleito de outubro próximo. Neste momento, já é possível um vislumbre do que será esse processo eleitoral para renovação dos mandatos da presidência e vice-presidência da República, dos governadores e respectivos vices, 1/3 das cadeiras do Senado Federal, deputados federais e estaduais.

Em suma, haverá eleições (quase) gerais que envolverão um corpo eleitoral composto por 141.824.607 eleitores. Aliás, uma reforma eleitoral futura deve inelutavelmente incluir a coincidência de todas as eleições, de presidente da República a vereador. Somente para a presidência da República já requereram registros cerca de oito candidatos, embora a disputa esteja circunscrita às de Dilma Rousseff (PT), Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB). Os outros, como se diz na gíria da política nordestina, irão apenas "bater esteira".

Interessante é que, principalmente no tocante às candidaturas presidenciais do PT e do PSDB, repete-se uma disputa de projetos que vêm marcando as duas últimas décadas da História brasileira, aliás, caracterizada estranhamente pela composição de blocos políticos (coligações partidárias, na linguagem técnico-jurídica) sem maiores marcações ideológicas, bem típico do chamado "presidencialismo de coalizão" cuja definição precisa é feita pelo cientista político Fernando Filgueiras: "É velha conhecida a fórmula do presidencialismo de coalizão brasileiro. O presidente eleito compõe a sua base de apoio no Congresso leiloando aos partidos políticos pastas ministeriais e posições de poder dentro da burocracia pública. Por meio do fisiologismo e do clientelismo, os presidentes obtêm maioria no Congresso e asseguram, assim, as bases para o exercício do governo. Ou seja, assegura-se que os presidentes brasileiros poderão levar seus projetos de políticas públicas à frente, não encontrando no Congresso um empecilho para o exercício do governo" (in Governabilidade e desenvolvimento. Disp.: www.qualidadedademocracia.com.br, acesso em 03 jul 2014). Outro pesquisador do tema, Sérgio Abranches, foi que primeiro fez uso desse termo, comportando uma inequívoca reivindicação à especificidade: "O Brasil é o único país que, além de combinar a proporcionalidade, o multipartidarismo e o 'presidencialismo imperial', organiza o Executivo com base em grandes coalizões. A esse traço peculiar da institucionalidade concreta brasileira chamarei, à falta de melhor nome, 'presidencialismo de coalizão" (cfr. "O presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro". In: Dados 31(1), 1988, pp. 5-33).

Antes da Constituição de 1988, todas as forças políticas situadas do centro para a esquerda - entre as quais o PSDB e o PT - se definiam como parlamentaristas, porém, no exercício do poder se tornaram ardorosos defensores do "presidencialismo imperial", com inegável marca de atraso político e de reforço aos velhos vícios do caudilhismo, do coronelismo, do paternalismo patrimonialista e, sobretudo, do clientelismo político. A fórmula do presidencialismo de coalizão foi adotada por Fernando Henrique Cardoso ainda no seu primeiro governo presidencial, para justificar as alianças políticas com aqueles setores de marcação bem mais conservadora que os seus tucanos. O ex-presidente Lula e a atual presidenta Dilma Rousseff acolheram com entusiasmo, também, o presidencialismo de coalizão, postura estandardizada pela foto publicada na imprensa nacional do abraço do líder maior do petismo com o indefectível político conservador Paulo Maluf.

O melancólico é que a salada política se torna ainda mais densa no plano regional, quando as tênues marcações políticas e ideológicas, ainda perceptíveis no plano nacional, desaparecem por completo: o importante é a formação das "sopas de letrinhas", as coligações partidárias que garantam aos candidatos uma participação maior na propaganda gratuita do rádio e TV. Claro, muitos desses partidos somente existem para "alugar" espaços para candidaturas e tempo de propaganda eleitoral; são meros simulacros esses partidos cartoriais e desprovidos de representatividade social. São os chamados "nanopartidos" que infestam o cenário da política brasileira e que contribuem para a manutenção de uma estrutura partidária extremamente frágil e viciada.


Neste momento da vida institucional brasileira, o importante é que as eleições de 2014 sejam mais uma possibilidade de consolidação dos sistemas partidário e eleitoral, embora não menos evidente a necessidade de reformas pontuais que lhes permitam maior eficiência administrativa e elevem o nível de legitimidade das instituições e das investiduras em cargos eletivos. A realização de sucessivos processos eleitorais - e poderiam ser menos, houvesse a coincidência de todas as eleições num só pleito geral - resulta na benfazeja sedimentação de práticas políticas que enriquecem as instituições do Estado Democrático de Direito e realçam o papel do cidadão como legítimo partícipe da gestão e do controle da máquina estatal. O aprendizado do exercício e apefeiçoamento da democracia se dá com a participação do cidadão nos processos eleitorais ou, numa linguagem mais tosca e direta: o povo somente aprende a votar votando. O mais é conversa fiada. Com a palavra, os candidatos. Vamos para o jogo!

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