OS
DESAFIOS DO CONTRASSENSO
Paulo
Afonso Linhares é Doutor em Direito, professor da Uern e Diretor-presidente da Rádio Difusora de Mossoró
Nestes dias de 2015, a nação brasileira tem como nau uma reles quenga de
coco que navega por mares irados de uma crise político-institucional como há
muito não se via, ademais de aliada a um péssimo desempenho da economia, tudo
projetando um quadro que mostra os fortes tons do cinza das incertezas. Estamos
todos nós neste barco cujo rumo ao certo não sabemos; de certeza, apenas que
teremos enormes rochedos a desviar ou escolher direto a fatal opção de soçobrar
nas ondas incontroláveis desse encrespado oceano de desajustes
político-institucionais.
No plano institucional, a tônica agora é a Reforma Política em curso que,
todavia, reformará pouco ou quase nada. Inclusive, as primeiras votações
ocorridas na Câmara Federal mostram que nem aqueles aleijões legislativos serão
resolvidos, a exemplo do propalado fim das coligações partidárias nas eleições
para vereador, deputados estaduais e federais. Inúmeras e unânimes eram as
manifestações doutrinárias e jurisprudenciais contra as coligações nas eleições
proporcionais. No próprio Congresso Nacional, esse era um dos poucos pontos de
consenso (quase) absoluto. E no que resultou a votação: contra todas as
expectativas esse monstrengo legislativo foi mantido à míngua dos mais de 308
votos necessários para aprovação de emenda à Constituição (236 deputados
votaram contra o fim da coligação em eleição proporcional contra 206 votos a
favor). Tudo obra dos conchavos capitaneados pelo presidente da Casa, deputado
Eduardo Cunha, que se aliou aos pequenos partidos políticos para manter a
coligação proporcional, algo de enorme interesse dessas agremiações partidárias
de menor expressão eleitoral. E o que era consenso passou a contrassenso,
assim, como se diz, vapt-vupt.
Outros catabilhos assim acontecerão à larga nesse processo de votação da
Reforma Política, cujo resultado final será, previsivelmente, a manutenção das
coisas como hoje estão. O que importa mesmo para as lideranças partidárias é
que determinados interesses não sejam contrariados, com a perpetuação do balcão
de negócios escusos em que se transformou a política brasileira. Deveres
cívicos, cidadania, prevalência da soberania popular, valores democráticos e
republicanos... Nada, tudo bobagem retórica sem serventia.
Lastimável é que a crise de imaturidade política e institucional vai
muito além dos lindes do Congresso Nacional: o contrassenso arrebata esta nação
em muitos outros domínios. Veja-se, a propósito, a decisão do Supremo Tribunal
Federal (em processo de relatoria do parcimonioso ministro Luís Roberto
Barroso) acerca dos limites da fidelidade partidária: firmou o desastroso
entendimento de que a mudança de partido sem justo motivo, que induz
infidelidade partidária, aplica-se somente aos exercentes de cargos políticos
eletivos do sistema proporcional (vereador, deputados estadual e federal):
àqueles eleitos para cargos majoritários (prefeito municipal, governador
estadual, presidente da República e respectivos vices, além do senador e seus
suplentes) podem, sim, trocar de partido político como se troca de camisa e
nada lhes ameaça os mandatos individualmente conseguidos nas liças eleitorais.
Em resumo, foi esse argumento tíbio que se transformou em razão de
decidir da mais alta corte judicial do Brasil, no caso dos limites da
fidelidade partidária: nos cargos eletivos do sistema de voto proporcional os
mandatos pertencem aos partidos políticos cujos filiados foram eleitos,
porquanto é raro que um vereador ou deputado (estadual ou federal) posse se
eleger apenas com os votos que individualmente recebeu, cabendo ao conjunto
partidário, inclusive com o chamado “voto de legenda”, o esforço da conquista
de cadeiras parlamentares; ao revés, nas eleições de voto majoritário a
conquista seria individual do candidato eleito, como se os militantes e todas
as instâncias partidárias não contribuíssem para eleger um prefeito, governador
ou presidente da República. Mais enorme
ilogicismo, um lamentável contrassenso que demonstra o quão imaturas são,
ainda, as instituições jurídico-políticas brasileiras. E mais: esse
entendimento do STF vai à contramão daquilo que fortalece o sistema partidário
e coloca os partidos políticos como principais vetores da atividade política
(não se poder olvidar que o partido político é uma instituição imprescindível
para a vida democrática, pois, segundo afirma o insuspeito Hans Kelsen, a
democracia "... requer, necessária e inevitavelmente, um Estado de
partidos"). No mais, certo é que os partidos políticos perdem muito com
isso que, segundo as conversas dos corredores de Brasília, teve como mote a
manutenção do mandato da senadora Marta Suplicy reivindicado pelo partido pelo
qual fora eleita, o PT. Está explicado, posto que dificilmente possa convencer
alguém com o mínimo de bom senso.